Folha de S.Paulo, 7 de fevereiro de 2008
LUCAS FERRAZ
FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os cartões de crédito corporativos do governo foram usados por servidores de universidades federais para pagar contas de mais de R$ 1.000 em restaurantes de luxo, em São Paulo e Brasília, além de compras em padarias de alto padrão e em lojas de festas.
Há inúmeros saques em dinheiro, prática de difícil fiscalização e que foi restringida em decreto publicado ontem no "Diário Oficial". Tais atos são irregulares, segundo o ministro Jorge Hage, da CGU (Controladoria Geral da União), que investiga o uso dos cartões.
O reitor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Ulysses Fagundes Neto, gastou boa parte de sua fatura de R$ 9.500 em restaurantes, segundo o Portal da Transparência mantido pela CGU (www.portaltransparencia.gov.br).
Só em São Paulo, Ulysses freqüentou o A Figueira Rubaiyat (R$ 1.798,39), a churrascaria Os Gaudérios (R$ 1.100 mil) e os restaurantes Tournegrill (R$ 1,28 mil) e Charlô (R$ 676). Em Brasília, passou pelo Zuu aZ. dZ. (R$ 533,48), um dos mais caros da cidade, e pelo Piantella (R$ 203), famoso por ser freqüentado por políticos.
A UnB (Universidade de Brasília) é, historicamente, a campeã de gastos. Só em 2007 registrou R$ 1,35 milhão, 36% do total despendido pelas instituições, ou R$ 3,7 milhões. Ela é seguida pela Universidade Federal do Piauí (R$ 402,8 mil) e pela Unifesp (R$ 291,2 mil).
Se contabilizados os gastos entre 2004 -primeiro ano disponível no Portal da Transparência- e dezembro de 2007, a UnB gastou com os cartões R$ 3,4 milhões. Esse total representa 31% das despesas feitas com cartões corporativos pelo Ministério da Educação e órgãos ligados à pasta no período.
Em 2007, a UnB despendeu quase um quarto do total executado com os cartões pela pasta comandada por Fernando Haddad (R$ 5,5 milhões). Ainda na UnB, o assistente do reitor Timothy Mulholland, Wilde José Pereira, utilizou seu cartão para compras em padarias, supermercados e na loja de artigos para festas Splash Party, onde gastou R$ 1.010 em novembro passado.
Em um único dia, Pereira pagou R$ 800 e R$ 372,25 nas confeitaria Monjolo e na padaria Pão Italiano, respectivamente, além de R$ 53,22 no supermercado Big Box. Em 2007, ele gastou na Monjolo R$ 4.100. No ano anterior, no mesmo estabelecimento, o cartão corporativo pagou R$ 3.395,77. Pereira também sacou dinheiro em espécie: R$ 7.940.
O reitor da Unifesp também gastou mais de R$ 1.000 em uma farmácia em São Paulo, mas alega que ressarciu o dinheiro. Sua assessoria encaminhou à Folha um guia de recolhimento da União, quando ele devolveu, só em dezembro, os R$ 614,61 de uma compra feita quase um ano antes, em janeiro de 2007. Não foi esclarecida a despesa, na mesma farmácia, de R$ 447,44, realizada em julho. A assessoria não soube informar se o valor foi ressarcido.
A alta soma de saques em dinheiro também é verificada na Universidade Federal do Piauí, a segunda entidade que mais usou o cartão em 2007. Do total gasto (R$ 356.772), 99,8% (R$ 356.047) foram sacados em caixas eletrônicos. A funcionária responsável pela cartão da reitoria sacou R$ 5.500.
As universidades federais, que têm autonomia administrativa, usam os cartões corporativos para os mesmos fins que outras áreas ou órgãos da administração federal, ou seja, indicados para despesas emergenciais e de pequeno valor.
A assessoria do MEC informou que as próprias instituições são responsáveis por fiscalizar o uso dos cartões. Elas devem responder por eventuais irregularidades a órgãos com CGU e TCU (Tribunal de Contas da União). A CGU disse que analisará os casos.
Reitor afirma que pagou jantares a comitivas
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O reitor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Ulysses Fagundes Neto, disse, por e-mail, que algumas das despesas em restaurantes de São Paulo referem-se a jantares ou almoços em que ele recebeu comitivas de universidades nacionais e estrangeiras.
Já os gastos em Brasília, disse, foram realizados quando ele viaja à capital para reivindicar emendas para a universidade junto a parlamentares.
Segundo o reitor, ele "não dispõe de verba de gabinete ou de representação para arcar com despesas para viagem, translado e hospedagem".
Ulysses disse que o "uso do cartão corporativo é exclusivamente institucional e, quando utilizado em despesas outras como de viagens (fazendo a vez de uma diária não solicitada em tempo hábil) medicamentos ou alimentação, foram por mim devidamente ressarcidos".
Sobre os mais de R$ 1.000 gastos em uma farmácia, o reitor encaminhou à Folha guia de recolhimento da União, quando devolveu, em dezembro, os R$ 614,61 de uma compra feita quase um ano antes, em janeiro do ano passado.
Wilde José Pereira, assistente do reitor da UnB e responsável pelo cartão que pagou despesas em padarias e lojas de festas, disse que os gastos referem-se à "homenagens e encontros" com autoridades, como ministros, parlamentares, embaixadores e professores. Segundo ele, o cartão corporativo é destinado para comprar "todo o material" que não está disponível no depósito da UnB.
Ele garante que pesquisa e realiza as compras nos lugares com o "melhor preço". Confrontado com os vários gastos na Monjolo, confeitaria de luxo da capital federal, disse que isso aconteceu pela "disponibilidade de entregar no prazo" e pela "localização".
Sobre os saques em dinheiro, afirmou que algumas lojas, mesmo em Brasília, ainda não aceitam o cartão. Ele disse que tudo foi solicitado pela universidade. Sobre a compra na loja de festas Splash, ele afirma que se refere a compra de bandejas, copos e taças para eventos organizados pela universidade.
A reportagem tentou entrar em contato com a assessoria da UnB, que não funcionou ontem devido ao Carnaval. O reitor da Universidade Federal do Piauí, Luiz Sousa Santos Júnior, disse que os cartões corporativos são usados pela entidade como as contas "tipo B", que serão extinguidas. Segundo ele, todas as compras são fiscalizadas pela contabilidade da instituição. "Hoje mesmo vou pedir uma auditoria em todos os gastos."
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