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Governo de Minas fez aeroporto em terra de tio de Aécio

Folha de S.Paulo, 20 de julho de 2014

LUCAS FERRAZ

ENVIADO ESPECIAL A CLAUDIO (MG)

O governo de Minas Gerais gastou quase R$ 14 milhões para construir um aeroporto dentro de uma fazenda de um parente do senador tucano Aécio Neves, no fim do seu segundo mandato como governador do Estado.

Construído no município de Cláudio, a 150 km de Belo Horizonte, o aeroporto ficou pronto em outubro de 2010 e é administrado por familiares de Aécio, candidato do PSDB à Presidência.

A família de Múcio Guimarães Tolentino, 88, tio-avô do senador e ex-prefeito de Cláudio, guarda as chaves do portão do aeroporto. Para pousar ali, é preciso pedir autorização aos filhos de Múcio.

Segundo um deles, Fernando Tolentino, a pista recebe pelo menos um voo por semana, e seu primo Aécio Neves usa o aeroporto sempre que visita a cidade, onde o senador mantém seu refúgio predileto, a Fazenda da Mata, a 6 km do aeroporto.

Dono do terreno onde o aeroporto foi construído e da fazenda Santa Izabel, ao lado da pista, Múcio é irmão da avó de Aécio, Risoleta Tolentino Neves (1917-2003), que foi casada por 47 anos com Tancredo Neves (1910-1985).

A pista tem 1 km e condições de receber aeronaves de pequeno e médio porte, com até 50 passageiros. O local não tem funcionários e sua operação é considerada irregular pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

A agência federal informou à Folha que ainda não recebeu do governo estadual todos os documentos necessários para a homologação do aeroporto, procedimento exigido por lei para que ele seja aberto ao público.

Sem se identificar como jornalista, o repórter da Folha procurou a Prefeitura de Cláudio na última semana como uma pessoa interessada em usar o aeroporto da cidade.

O chefe de gabinete do prefeito, José Vicente de Barros, disse que Múcio Tolentino deveria ser procurado. "O aeroporto é do Estado, mas fica no terreno dele", afirmou. "É Múcio quem tem a chave."

Indicado por Barros, Fernando Tolentino logo se prontificou a abrir o portão do local. "Ele fica dentro da nossa fazenda", disse. "O aeroporto está no final do processo, mas, para todos os efeitos, ainda é nosso."

Indagado se seria necessário pagar pelo uso do espaço, Fernando respondeu: "Não, o trem é público, vai cobrar como?" Segundo ele, Aécio visita a fazenda da família em Cláudio "seis ou sete vezes" por ano e vai sempre de avião.


Aécio afirma que parentesco não influiu na escolha de local onde Estado construiu aeroporto de Cláudio



DO ENVIADO A CLÁUDIO (MG)


O candidato do PSDB à Presidência, senador Aécio Neves, afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que a construção do aeroporto de Cláudio seguiu critérios técnicos, e que o governo de Minas não levou em consideração o fato de o proprietário do terreno ter parentesco com ele.

A assessoria ressaltou que, durante o processo de definição e execução da obra, não houve qualquer gestão pessoal de Aécio, que governou Minas Gerais de 2003 a 2010.

"Não se levou em conta de quem era a propriedade do terreno. É importante observar que a desapropriação da área contrariou o interesse do antigo proprietário, que move ação na Justiça contra o Estado", diz a nota, referindo-se à disputa judicial em curso entre o Estado e o tio-avô do senador, Múcio Tolentino.

Ainda segundo Aécio, o terreno onde foi construído o aeroporto foi escolhido por apresentar as "condições topográficas" ideais e permitir que a obra fosse feita com o "menor custo para o Estado".

"Houve, inclusive, aproveitamento da área onde existia pista de pouso", afirma a nota. A pista de pouso de terra, que existiu por 25 anos na fazenda de Múcio, foi construída pelo governo de Minas quando o governador era Tancredo Neves, avô de Aécio.

O presidenciável preferiu não responder algumas das perguntas enviadas pela Folha, como o número de vezes que usou o aeroporto desde que a obra ficou pronta, em 2010, e o motivo pelo qual o local, construído com dinheiro público, tem uso privado.

O senador também não respondeu por que o aeroporto não foi inaugurado até hoje.

O governo de Minas também ressaltou que a obra foi feita seguindo critérios técnicos e que, no episódio, prevaleceu "exclusivamente o interesse público". Segundo o Estado, a obra foi "muito mais barata" por ter aproveitado a pista que já existia na fazenda do tio de Aécio.

"A área foi indicada pelo setor especializado do governo", diz a nota do governo. "Foi a opção mais correta do ponto de vista técnico e de custos." Segundo o governo estadual, o aeroporto de Cláudio "é de uso público e aguarda a homologação junto à Anac", cujo processo foi encaminhado em 2011.

Dos 29 aeroportos que receberam investimentos do Estado entre 2003 e 2014, seis ainda não foram homologados pela agência, segundo a assessoria do governo.

A Anac informou à Folha que o processo de homologação do aeroporto de Cláudio não pode ser feito enquanto o governo estadual não completar seu cadastro no órgão.

Sobre a desapropriação do terreno de Múcio Tolentino, o governo mineiro disse que "não houve acordo" com o fazendeiro. "Ele não concordou com o valor fixado para a desapropriação e foi à Justiça pleiteando um valor maior. A posse do terreno pertence ao Estado", diz a nota.

O governo de Minas afirmou ainda que é "natural" que "várias obras de interesse público sejam realizadas em áreas particulares", antes mesmo do processo de desapropriação ser concluído.



Procurado posteriormente pela Folha, ele negou administrar o aeroporto: "Não tenho nada a ver com isso". Indagado sobre a frequência das visitas à cidade e o uso do aeroporto, Aécio não respondeu.

Com 30 mil habitantes, Cláudio é rodeada por fazendas. Economicamente, sua importância é modesta. A vizinha Divinópolis, a 50 km, já tinha aeroporto quando o de Cláudio foi construído.

A obra foi executada pelo Deop (Departamento de Obras Públicas do Estado) e fez parte de um programa lançado por Aécio para aumentar o número de aeroportos de pequeno e médio porte em Minas.

O governo do Estado desapropriou a área de Múcio Tolentino antes da licitação do aeroporto e até hoje eles discutem na Justiça a indenização. O Estado fez um depósito judicial de mais de R$ 1 milhão pelo terreno, mas o tio de Aécio contesta o valor. Seu advogado, Leandro Gonçalves, não quis falar sobre o caso.

Antes de o aeroporto ser construído, havia no local uma pista de pouso mais simples, de terra. Ela foi construída em 1983, quando Tancredo era governador de Minas e Múcio era prefeito de Cláudio, terra natal de Risoleta.

Orçado em R$ 13,5 milhões, o aeroporto foi feito pela construtora Vilasa, responsável por outros aeroportos incluídos no programa mineiro. O custo final da obra, somados aditivos feitos ao contrato original, foi de R$ 13,9 milhões.





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